domingo, janeiro 07, 2007

Bolo

Em dia de neura fiz um bolo. O dia não começou bem, o tempo não está convidativo para sair, a vontade de estar sozinho em locais públicos é nula... acabei por ficar em casa. Simplesmente sentindo o tempo passar. Numa cadência lenta. A televisão nem se liga, a rádio também não. No pc ainda estão várias dezenas de álbuns à espera de serem explorados, conhecidos, apreciados. Vou ouvindo-os sem ligar muito. Nenhuma sonoridade prendeu a minha atenção. Muita coisa boa... mas é preciso ser mais que isso para despertar a minha atenção. Sigo no tempo. A tarde vai fluindo. Pensei E porque é que não fazes um bolo? Assim fiz. O meu primeiro bolo. Não tinha balança, as medidas foram a olho. Já está feito. Não cresceu... mas a farinha dizia que já vinha com fermento. Pode-se dizer que é um bolo à minha imagem... o aspecto dele não é grande coisa. Mas o interior é bom... é saboroso. Por fora ficou negro... como o meu estado de espírito neste momento. Estado de espírito esse que melhorou por ficar a saber que sou capaz de fazer um bolo. Um pouco mais de prática e poderei fazer melhor. E pela casa ecoa um belíssimo cheiro a bolos. Em dia de neura fiz um bolo.

Anónimo disse...

Nesses dias o melhor é deixar o bolo de parte e fazer massa à bolonhesa :)


beijo-te*

purita disse...

agora tens é que esperar por um dia de alegria para o comer, vais precisar de espírito!:D

*Sininho* disse...

MMMM, e não guardaste um pedacinho para nós?

Anónimo disse...

Tem piada, eu quando estou com a neura também me dá para fazer bolos! Para a próxima liga-me e devoramos o bolo juntos!

Meow disse...

Ora aí está uma coisa que me deu vontade de fazer no domingo passado! Não fosse a falta de forma...

intruso disse...

(primeiro bolo??.....)

ME disse...

Ficava sempre triste com o barulho da chuva.
Com a cor da chuva.
Despertava nela um vasto sentimento de solidão. Da janela via apenas manchas negras que circulavam lá em baixo, pequenas, espelhadas no chão molhado. Por vezes distraía-se ao acompanhar com o dedo as gotas que deslizavam do lado de fora da janela. Estava sozinha, estava sempre sozinha aos domingos à tarde. Durante a semana gravitava entre um emprego desgastante numa agência de publicidade e a casa dos pais no Estoril. Mas aos domingos não. Nem uma coisa nem outra.
Às vezes imaginava que alguém batia à porta para a convidar para um passeio de barco num lago pacato, como via nos filmes românticos. Mas isso nunca acontecia e ela deixou de ver filmes, pelo menos aos domingos à tarde. Outras alturas empenhava-se a sério em tentar descobrir uma nova receita para um bolo de chocolate, mas chegava sempre à conclusão que um bolo de chocolate havia de ser sempre um bolo de chocolate. Pensava então em fazer souflees ou coulants mas esses não durariam até ao dia seguinte, para dar a provar aos colegas da agência. Precisavam de ser comidos na hora ou desmanchavam-se. Mas ela ao domingo à tarde estava sempre sozinha.
- Podia ter um gato, pensava. - Um cão não, seria demasiado grande para o meu apartamento.
E um namorado? Também não, seria demasiado egoísta. Só pensaria nele próprio.
Então lia muito, mas os livros também eram egoístas. Eram como buracos negros nos quais se precipitava vertiginosamente. Claro que isso também dependia dos livros.
Era no intervalo das leituras que se punha à janela a ver quem passava lá em baixo, mas estava tão alto que apenas via vultos irreconhecíveis.
Gostava muito de música e os seus discos estavam sempre ali para todos os momentos.
– Com eles posso sempre contar. – Os seus companheiros dos domingos à tarde eram sempre os mesmos: O Chico, o Caetano e o Tom Jobim, em suaves baladas com sotaque brasileiro. Ou então os poemas do Ary nas vozes do Paulo de Carvalho ou do Carlos do Carmo. Agradava-lhe que estas vozes de homem ecoassem pelo vazio da sua casa. Chegava a imaginar que era o seu companheiro ideal, que nunca conhecera, que cantava distraidamente na sala enquanto ela fazia o coulant de chocolate para os dois. Mas automaticamente pensava que ele pertenceria ao género de homens que nunca deixam uma mulher sozinha na cozinha e sorria.
Por vezes dormia uma sesta, sempre ajudava o tempo a passar. Enrolava-se na velha manta dos seus tempos de infância e inspirava mentalmente o aroma dos scones e torradas acabadas de fazer na antiga casa dos seus avós na Praia Grande. Inspirava bem no fundo da sua memória. Sentia a nostalgia de ser criança e não conseguia esconder um sorriso ao lembrar-se que já nessa altura não gostava dos domingos à tarde. Eram sempre sinal de partida e de recomeço.
Era também nas tardes de domingo que revia os álbuns de família. Via-se muito pequena numa fotografia ainda a preto e branco e depois um pouco mais velha numa a cores. Caras conhecidas, caras desconhecidas, todas elas lhe provocavam um aperto no peito. Desesperada e abalada pela nostalgia resolvia despertar e começava a despejar os roupeiros. Dava-lhe sempre novo ânimo arrumar os incontáveis pares de sapatos, todos eles elegantes. Nesse momento a sua vaidade feminina vinha sempre ao de cima. Chegava a experimentar vários, só para ver se ainda gostava deles. E então olhava-se demoradamente ao espelho e sentia-se bem.
Era bonita e sabia-o, mas aos domingos à tarde estava sempre sozinha.

magarça disse...

Fico à espera de saber o resultado de um bolo num dia feliz :)

Anónimo disse...

nunca fiz um bolo, mas talvez num dia desses...